“Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por compreendê-las.” Baruch de Espinosa
Se você fizer uma pesquisa rápida pelo Google para saber quais foram os livros mais vendidos no Brasil em 2018, o tema autoajuda está no topo do ranking. Os títulos variam, mas a temática é a mesma, as pessoas vivem numa busca desenfreada pelos “segredos da felicidade”. Apesar de que esse ser um fenômeno do século XXI, no século XVII um filosofo de origem judaica já fazia criticas a essa inconformidade do homem com a vida, lhes apresento Baruch de Espinosa.
Baruch de Espinosa (1632-1677) nasceu em Amsterdã e cresceu em uma família judaica ortodoxa que se deslocou na Europa por conta de perseguição religiosa. Embora o judaísmo não se faça presente diretamente no pensamento do filósofo.
Em tempos de conflitos religiosos como foram os séculos XVI e XVII, a defesa dos dogmas religiosos de uma determinada confissão de fé é primordial para a preservação da mesma. Espinosa foi expulso de sua comunidade provavelmente porque se recusou terminantemente a professar a fé judaica, considerando-a como apenas o simples cumprimento ritual de leis.
Parte das críticas que Espinosa recebeu da comunidade religiosa se deve à sua afirmação de que Deus é a única substância – tema central para o desenvolvimento de seu pensamento e de que os homens são modos desta substância, contrariando os preceitos e Escrituras sagradas.
O homem no pensamento espinosano participa da natureza de Deus, mas também guarda peculiaridades em sua composição. É neste sentido que Espinosa desenvolve o conceito da potência humana de agir que seria a energia que todo ser humano tem disponibilizado para viver num determinado momento.
Espinosa afirma que todas as ideias existem “em” Deus e apenas algumas existem no pensamento humano: trata-se daquelas que constituem o espírito humano. Portanto, nossas ideias existem “em” Deus apenas na medida em que somos constituídos por elas.
As ideias de Deus, sem dúvida, são sempre “adequadas”, enquanto que as nossas só são adequadas na medida em que participamos do intelecto infinito. Esse termo, “na medida em que”, frequentemente utilizado por Espinosa, aparece em seu sistema como uma questão gradativa: quanto mais adequadas as minhas concepções, mais caminho em direção à eternidade, superando, assim, minha condição finita. A grande diferença entre o divino e o humano está no fato de que, no primeiro, há ausência de tempo, enquanto que, no segundo, há o tempo, a duração, a transitoriedade, a mudança, a geração e a destruição.
Há, como podemos observar, um vínculo entre o divino e o humano, sem que, no entanto, esse vínculo possa suprimir a ideia de indivíduo. A partir desse momento, faz-se necessário refletir sobre a liberdade. Antes de tudo, vale enfatizar que Espinosa subverte completamente esse conceito: para ele, a liberdade humana não significa o poder de escolha, como erroneamente a imaginação nos faz acreditar.
Portanto, ser livre, de acordo com o sistema de pensamento espinosano, é adquirir consciência da necessidade, e isso não deve jamais ser confundido com o livre-arbítrio, noção que não tem lugar de ser no pensamento de Espinosa, a não ser no erro promovido pela imaginação.
Para Espinosa a literatura de autoajuda não faria sentido algum, pois, o homem livre e feliz não seria aquele que faz o que quer, mas aquele que, conhecendo as leis da natureza, não se deixa vencer, sabendo aumentar o seu poder de preservação. A liberdade, desse modo, é a liberdade em relação ao tempo: só somos livres quando participamos da eternidade divina e, para isso, é preciso compreender a necessidade das relações causais.
Não vou generalizar dizendo que tudo o que se encontra nas literaturas e nas palestras de autoajuda seja descartável, com certeza a muito que se aproveitar nesse tipo de material. Minha critica é em relação à falta de compreensão das pessoas de que a vida é constituída por relações ininterruptas com o mundo, ou seja, viver é viver no mundo, um mundo selvagem, na linguagem de Espinosa, viver é conhecer as leis da natureza e não se deixa vencer, sabendo aumentar o seu poder de preservação. Viver é enfrentar a vida como ela é.