A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


A crueldade do silêncio


Por: R. S. Borja
Data: 18/07/2024
  • Compartilhar:

“As emoções humanas são um presente de nossos ancestrais animais. A crueldade é um presente que a humanidade se deu”.

A história nos mostra que desde que tomou consciência da sua racionalidade, o ser humano criou e desenvolveu métodos para infligir dor e sofrimento físico e mental, a outros seres, humanos ou animais. O exemplo mais simbólico é aquele em que uma pessoa, através da força física ou psicológica, ou ambas ao mesmo tempo, obriga outras a lhe servir contra a sua própria vontade, impedindo-a de se locomover livremente.

O que pode ser pior do que retirar de uma pessoa sua liberdade de escolha, livre arbítrio, locomoção, desumanizando-a, expressando o conceito de que a mesma não é sua semelhante ou, ainda, não foi criada a imagem e semelhança de Deus. Acrescido do fato de que, sendo considerada um mero objeto, não havia impedimento às agressões, mutilações, abusos sexuais e tantas outras formas de violência.

A servidão, que no início era imposta pelos vencedores aos vencidos, com a expansão do mundo conhecido, passou a ser caracterizada pela cor da pele até que, atualmente, atinge milhões de pessoas de várias etnias, raças e classes sociais. Quantas pessoas são tolhidas de suas vontades, deixam de possuir o livre pensamento e arbítrio, se tornando presas de situações, relações por conta de violência ou necessidade física ou dependência emocional? Quantos seres humanos escravizam outros pelo dinheiro, pelas drogas, pelo sexo, pornografia, jogos ou mesmo por algoritmos?

Juntamente com esse comportamento, o ser humano, ao mesmo tempo em que buscava métodos para matar animais sem dor, com a finalidade de não estragar ou azedar a carne que seria consumida, desenvolveu formas de prolongar a morte de outros seres humanos, tornando-a cada vez mais lenta e dolorosa. Além disso, desenvolveu-se muitas formas de torturas, ou seja, formas de causar dor por meio de agressões físicas e psicológicas, em quantidade e com criatividade inacreditável.

Na atualidade, com a globalização e virtualização das relações, cada vez mais permeadas por mensagens escritas em aplicativos, vídeo chamadas, pouco contato físico, obviamente que o ser humano iria evoluir as formas de causar dor, aflição e morte de outros seres, ainda que somente no campo virtual.

Cada vez mais a vida social se resume a mídias sociais, comunidades e grupos de aplicativos.  Outro dia vi uma figurinha que dizia “não me remova, esse grupo é a única coisa que tenho na vida”. Até seria engraçado, se não fosse uma mensagem clara a respeito da dependência que temos do mundo virtual. E qual a melhor forma de causar a morte social ou virtual a não ser o cancelamento mediante bloqueio, deslikes, deixar de seguir, excluindo a pessoa do mundo, o que para muitos é pior do que a própria morte física.

Porém, em um mundo em que as relações se iniciam e terminam por mensagem, negócios e compromissos são concretizados por aparelhos celulares, onde mundo se torna mais ágil, rápido e instantâneo, criando ansiedade quando não se tem o retorno no segundo ao envio da mensagem, criou-se e aprimorou-se uma das formas mais cruéis de tortura: o silêncio, vulgo vácuo.

Segundo o dicionário vácuo é o vazio, desprovido de conteúdo, espaço sem matéria, um nada. Na gíria é ignorar a interação, presencial ou virtual, de uma pessoa. E cada vez mais as pessoas se utilizam desse meio. Quando alguém desinteressante manifesta interesse; quando alguém convida para um evento no qual não se quer ir; quando a conversa toma um rumo indesejado; quando não se quer dizer não. A ausência de retribuição do bom dia ao cruzar com pessoas na rua.

Certo é que ninguém é obrigado a responder a nada, em especial a mensagens indesejáveis. Ocorre que há várias formas de expressar um posicionamento. Não quero ir, não posso ir, não estou interessado em você ou no produto que oferece, entre outras.

Porém, preferimos o silêncio, o vácuo. O vácuo é um nada travestido de negatividade. O vácuo não desconsidera somente a mensagem, mas a própria pessoa que enviou. Desrespeita o interesse, a atenção, a gentileza, a lembrança. Além disso, gera a incerteza, a dúvida, a expectativa a respeito de eventual impossibilidade momentânea, nutrindo uma esperança e uma ansiedade maléfica.

Afirmam que a ausência de resposta é uma resposta. Não deveria ser. O vácuo reduz a pessoa que envia a mensagem e suas emoções ao seu patamar, ou seja, a nada. E isso nos torna cruéis, porque ao preferir o silêncio, estamos sendo indiferentes.

Chorão uma vez falou que há várias formas de matar uma pessoa, a indiferença é uma delas.  Podemos acrescentar que há várias formas de sermos cruéis com as pessoas, o silêncio (vácuo) é uma delas.

 

 

R. S. Borja


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.