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“Nada de novo no front” de Erich Maria Remarque e os horrores da guerra


Por: Itamar S. Sá
Data: 27/03/2023
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Este livro não pretende ser um libelo nem uma confissão, e menos ainda uma aventura, pois a morte não é uma aventura para aqueles que se deram face a face com ela. Apenas procura mostrar o que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapado às granadas, foram destruídos pela guerra” (REMARQUE, 2013, p. 8).

Essa semana vi um vídeo onde alguns soldados ucranianos entrincheirados tentavam abater mísseis russos com tiros de fuzil em algum lugar no leste da Ucrânia. Um, dois, três mísseis cruzam os céus durante os poucos segundos do vídeo. Uma, duas, três tentativas ucranianas de abate são em vão e os mísseis detonam ao alcançar o solo. Essa cena me fez recordar da obra “Nada de Novo no Front”, escrita por Erich Maria Remarqhe (1898-1970). Recordei-me especificamente de um trecho em que o protagonista narra a “dança de foguetes” nos céus em seu batismo de fogo, despertando-me então a necessidade de abordar a obra nessa coluna. Sendo assim, a fim de melhor estruturar o texto, o dividirei em duas partes: a primeira apresentará o livro e sua história, enquanto a segunda revelará minha relação com a obra.

1ª PARTE

A obra se passa durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) quando Paul Baumer, um jovem alemão de 18 anos, e um grupo de amigos abandonam os estudos e se alistam para lutar no front, incentivados por professores e pela propaganda de guerra da época, bem como convencidos de seus “deveres patrióticos”. Ao chegar na linha de frente, descobrem que não há glória nem honra na guerra, sendo a realidade bem diferente do que ouviram.

Esse enredo se confunde com a própria história do autor Erich Maria Remarque, que com 18 anos ingressou nas fileiras alemãs durante a Primeira Guerra Mundial, sendo ferido três vezes, uma delas gravemente. Após a guerra, tentou sobreviver exercendo diversas profissões em um país falido, ruído pela guerra e atropelado pelo Tratado de Versalhes. Firmou-se no jornalismo, no entanto, os horrores da guerra ainda o atormentavam. Suas noites de insônia e pesadelos eram preenchidas por manuscritos onde anotava os horrores que viveu, que por fim deram origem a esse livro.

A obra foi publicada originalmente em 1929, tornando-se um grande sucesso, sendo Remarche um dos escritores alemães mais lidos no mundo. A obra já foi traduzida para 58 idiomas e já vendeu mais de 10 milhões de cópias. Na epígrafe do livro, que é a citação que abre esse texto, Remarque deixa clara sua intenção com a obra. No entanto, à época, em um país humilhado pelo fim da guerra, a obra foi vista pelas autoridades alemãs como uma afronta aos “valorosos soldados que deram sua vida pela pátria”. Isso porque ela revelou a verdadeira face da guerra em uma sociedade que a enxergava como uma fatalidade histórica e com certo romantismo heroico. Remarque mostrou que os soldados alemães não eram guerreiros, como os que apareciam nas propagandas, mas sim homens e crianças maltrapilhos, assustados e enganados. A obra ganhou versão de cinema em 1930.

Quando Hitler subiu ao poder em 1933 o livro foi proibido na Alemanha, bem como as sessões de cinema que exibiam a película eram atacadas. Remarche se exilou na Suíça e posteriormente nos Estados Unidos. Em 1933, esse e outros livros de sua autoria foram queimados na Praça da Ópera, em Berlim. Em 1938, Remarche perdeu sua nacionalidade alemã por ter “arrastado na lama” a memória dos soldados da grande guerra e ter apresentado uma versão antigermânica do que ocorreu na guerra, conforme alegou as autoridades. Após a versão de 1930, a obra também ganhou versões de cinema em 1979 e 2022.

Ao fim, mesmo que perpassando toda história, descobrimos que o título do livro vem do penúltimo parágrafo da obra, ao falar do fim do jovem Paul:

“Tombou morto em outubro de 1918, num dia tão tranquilo em toda linha de frente, que o comunicado se limitou a uma frase: “Nada de Novo no Front”. (REMARQUE, 2013, p. 220).

 

Erich Maria Remarque

2ª PARTE

Posso dizer que esse livro foi quem me introduziu ao mundo da leitura. Meu primeiro contato com a obra se deu inicialmente em 2011, quando tinha 14 anos. Cursava a então 8ª Série (hoje 9º Ano) da Educação Básica no Colégio Estadual Dr. Duílio Trevisan, em Tamboara. Durante a aula de História comecei a folhear o livro didático e na seção final de uma unidade encontrei um texto sobre a Batalha de Verdun, que colocou frente a frente os exércitos alemão e francês durante quase nove meses e resultou em mais de 305 mil mortos. Lá havia uma citação de um trecho da obra Nada de Novo no Front, o qual falava sobre a relação do soldado com a terra.

“Para nenhum homem a terra é tão importante quanto para um soldado. Quando ele se comprimi contra ela demoradamente, com violência, quando nela enterra profundamente o rosto e os membros, na angústia mortal do fogo, ela é seu único amigo, seu irmão, sua mãe. Nela ele abafa o seu pavor e grita no seu silêncio e na sua segurança; ela o acolhe e o libera para mais dez segundos de corrida e de vida, e volta a abrigá-lo: às vezes, para sempre”. (REMARQUE, 2013, p. 50).

Essa citação me despertou o interesse em ler a obra, no entanto, não sabia onde encontrá-la e também não me esforcei para isso. Porém, a vida é cheia de coincidências e pouco tempo depois foi inaugurada em Tamboara uma Biblioteca Cidadã. Por ser na esquina de casa, passei para conhecer e fui informado que havia uma relação do acervo. Perguntaram se eu queria algum livro e de forma aleatória pedi para pesquisarem esse, e por sorte havia disponível no prédio uma versão de bolso da L&PM Pocket.  

Capa da Editora L&PM Pocket

         Após emprestar a obra, a levei para casa e fui ansioso ler a “aventura”. De início, a epígrafe me pegou desprevenido e me deu um choque de realidade. Posteriormente, conheci a história do autor e entendi qual sua intenção ao escrever a obra. Li a obra com outros olhos e eu, um adolescente de 14 anos que romantizava conflitos militares, passei a enxergá-los de outra forma. A diplomacia é o melhor caminho para as disputas internacionais. Como diz Paul Valery, filósofo francês, “a guerra é um massacre entre gente que não se conhece para proveito de pessoas que se conhecem, mas não se massacram”. Vide o conflito entre Rússia, Ucrânia e OTAN. Paul, o protagonista da história, percebeu isso ao se refugiar em uma cratera de bomba com um soldado francês, Gerárd Duval, matá-lo por medo e depois revirar seus pertencentes e encontrar fotos de sua esposa e filha. 

“O silêncio prolonga-se. Falo, preciso falar. Assim, dirijo-me a ele e digo-lhe:

? Companheiro, não queria matá-lo. Se saltasse novamente aqui para dentro, não o faria, se você também fosse razoável. Mas, antes, você era apenas um pensamento, uma dessas abstrações que povoam meu cérebro e que exigem uma decisão... Foi essa abstração que apunhalei. Mas agora, pela primeira vez, vejo que é um ser humano como eu.

Pensei nas suas granadas, na sua baioneta e no seu fuzil. Agora, vejo sua mulher, seu rosto e o que temos em comum. Perdoe-me, companheiro. Só vemos as coisas tarde demais. Por que não nos repetem sempre que vocês são também uns pobres-diabos como nós, que suas mães se inquietam como as nossas e que temos o mesmo medo da morte e morremos do mesmo modo, sentindo a mesma dor?...

“Perdoe-me, companheiro, como é que você pôde ser meu inimigo? Se jogássemos fora estas armas e estas fardas, poderia ser meu irmão, como Kat e Albert. Tire vinte anos de minha vida, companheiro, e levante-se... tire mais, porque não sei o que farei deles agora.”

Dessa forma, para quem tem interesse na temática recomendo a leitura da obra, bem como as versões de cinema de 1979 (a mais fiel ao livro) e a de 2022. Recomendo também as músicas “To Hell and Back” e “Cliffs of Gallipoli” da banda sueca Sabaton.

REMARQUE, Erich Maria. Nada de Novo no Front. Porto Alegre: Coleção L&PM Pocket, 2013, 224 p.

 

 

Itamar S. Sá


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