A generic square placeholder image with rounded corners in a figure.


O perigo dos discursos motivacionais


Por: Simony Ornellas Thomazini
Data: 16/08/2019
  • Compartilhar:

Hoje vemos com frequência discursos motivacionais que induzem às pessoas a, ilusoriamente, ‘realizarem-se’.De acordo com o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han autor de “Sociedade do cansaço”, acredita-se que as pessoas se exploram acreditando que isso lhes trará realização.A BBC Brasil divulgou uma matéria recentemente com o título “por que o mantra ‘faça o que você ama e você nunca terá que trabalhar um dia na vida’ é uma armadilha”.Esse estudo demonstrou que, assim como na vida amorosa, estar encantado por algo, neste caso, o trabalho – pode “cegar” as pessoas fazendo com que desenvolvam funções que não foram contratadas para fazer.Para alguns autores, a partir do fato de que os trabalhadores gostam do que fazem, os gestores atribuem à execução de tarefas extras. Esse movimento acarreta muitas vezes, a piores condições de trabalho.O fenômeno estudado é chamado de “legitimação da exploração da paixão.” Nesse sentido, os autores demonstram que, ainda que a paixão pelo trabalho seja positiva, ela pode levar a práticas nocivas de gestão e exploração de mão de obra.Essa exploração pode ser vista a partir do momento em que a gerência com seus próprios objetivos e interesses, bem como os objetivos dos proprietários, exigem dos funcionários o trabalho excessivo, muitas vezes envolvendo-se em tarefas degradantes sem o pagamento adicional ou recompensas dignas.E assim vemos trabalhadores fazendo hora extra, ficando longe da família, trabalhando aos finais de semana sem compensação, e até mesmo ouvindo, por vezes, insultos e cobranças excessivas. Esses comportamentos são tidos como justificáveis sob o ponto de vista da sociedade daquelas pessoas apaixonadas pelo trabalho.

Produzir, produzir, produzir

Fazer o que a gente gosta, inevitavelmente não nos trará apenas realizações. Haverá frustrações, estresses, cansaço. Porém, o que vemos atualmente é uma ditadura da produtividade. Temos que produzir, e produzir muito, segundo os discursos motivacionais, para sermos reconhecidos.O fílósofo Byung-Chul Han diz que diante do aumento da potencialização do desempenho de cada pessoa, não se consegue reconhecer o próprio trabalho, ou a capacidade de sentir-se frustrado e de perceber o que é incapaz de realizar.Ainda para o filósofo, criamos uma imagem de alguém que é capaz de múltiplas tarefas e incapazes de dizer não. Alguém que alcança níveis de autoexploração doentios, possível através dessa ideia do excesso de produtividade.O livro “Sociedade do Cansaço” de Byung-Chul Han e o estudo divulgado pela BBC Brasil formam uma complexa e árdua legitimação entre o indivíduo explorado e autoexplorado.

          E como as pessoas se autoexploram hoje?

Através de receitas de sucessos lidas muitas vezes na internet. O instagram é, por excelência, o porta voz dessas receitas para a tal da realização pessoal e profissional.Com isso, as pessoas atropelam a si mesmas numa tentativa de viver uma vida, que segundo, aqueles discursos, lhe darão visibilidade no mercado de trabalho e realização pessoal.Temos como alguns exemplos, acordar às 5h da manhã, meditar ou usar o tempo livre para fazer algo relacionado ao trabalho. Temos algumas frases que viralizaram na internet tais como: “Estude enquanto eles dormem”, “Trabalhe, enquanto eles se divertem”, “Lute enquanto eles descansam”, etc.Talvez essas coisas até funcionem para algumas pessoas, mas não funcionará para todo mundo. E é aí que mora o grande perigo. Incapazes de reconhecer o que funciona ou não para si mesmo tomam esse discurso como verdade única, e autoexploram-se na realização de seus objetivos.O paradoxo nisso tudo é que a produtividade não se alcança pela quantidade, mas pela qualidade. Ou seja, não é acordando às 5h da manhã que você se tornará mais produtivo. Porém, como foi dito, pode funcionar para algumas pessoas.Apenas quando organiza-se a rotina de acordo com as nossas próprias vontades e capacidades, entendendo o que podemos dar conta, o que é possível, é que pode-se obter bons resultados.

           O poder do “não”

O jornalista Ricardo Boechat, que faleceu recentemente, disse certa vez a um representante de uma editora quando foi convidado para escrever um livro:

 “Agradeço, sinceramente, por seu interesse. Mas lhe asseguro, do fundo do coração, que a última ideia que me passa pela cabeça – aliás, nem passa! – é escrever um livro.” É muito comum dizermos “sim” no trabalho quando queremos dizer “não”.E os motivos são diversos. Pode ser pelo fato de querermos uma promoção ou porque queremos agradar o chefe. Ou ainda, para poder ser bem visto pelas outras pessoas como um excelente profissional, dentre outras tantas razões.Em busca pela realização profissional aceita-se muita coisa por medo. Medo de ser demitido, medo do que os outros vão pensar e medo de não ser reconhecido.Mas, o que realmente trará realização profissional, ou seja lá, como você prefere denominar o sucesso profissional, e até mesmo, pessoal, é quando toma-se a própria agenda como prioridade. Quando o foco é naquilo que gostamos, e podemos fazer, sendo produtivos de acordo com o nosso tempo e habilidades.Eu poderia encerrar este texto dizendo para você fazer isso ou aquilo, ou enumeras dicas para se alcançar o sucesso, mas, o objetivo deste texto é justamente o oposto disso. Apenas digo a vocês:

Façam o que desejam.

Simony Ornellas Thomazini


Anuncie com Jornal Noroeste
A caption for the above image.


Veja Também


smartphone

Acesse o melhor conteúdo jornalístico da região através do seu dispositivos, tablets, celulares e televisores.